sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

LEGISLAÇÃO PORTUGUESA – A Bíblia do “faça como bem entender”...

Muitas vezes discute-se entre amigos como se deve aplicar esta ou aquela legislação. Muitas vezes também, chega-se à conclusão que as interpretações são variadas sobre um mesmo tema legal.

Nunca tinha tido a oportunidade de expôr a minha opinião sobre o assunto, simplesmente porque não me conseguia lembrar de situações concretas, se calhar por serem tantos os casos...

Mas desta vez deparei-me com uma situação concreta que indicia exactamente o desprezo que muitas vezes o legislador coloca sobre alguns temas... isto dito de uma forma suave, porque não acredito que seja apenas isso.

Parece-me mesmo, em muitos casos, uma verdadeira falta de capacidade de sintaxe e/ou a tentativa de criar ‘buracos’ legais para se poder interpretar as questões de acordo com a ocasião...

É quase como a bíblia, inúmeras interpretações sobre um mesmo tema, de acordo com o interesse do momento...

Vejamos então a que legislação me refiro em particular:

- Trata-se do Código do Trabalho em vigor (segundo o MTSS) Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto (existe o de 2009, mas parece que ainda não foi regulamentado) nomeadamente no que diz respeito às faltas justificadas por ‘altura’ do casamento e falecimento de parentes...

Leiam as transcrições, analisem o texto de acordo com a sintaxe e gramática portuguesa (que conhecem), e façam uma interpretação da ideia que se pretende transmitir:

[...]

Artigo 225.º

Tipos de faltas

1 - As faltas podem ser justificadas ou injustificadas.

2 - São consideradas faltas justificadas:

a) As dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento;

(...)

Artigo 227.º

Faltas por motivo de falecimento de parentes ou afins

1 - Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 225.º, o trabalhador pode faltar justificadamente:

a) Cinco dias consecutivos por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau na linha recta;

b) Dois dias consecutivos por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou em 2.º grau da linha colateral.

[...]

Não sou professor de Português, linguista ou que quer que seja em termos de capacidade de análise profunda da língua Portuguesa... mas sou um cidadão Português que lê e escreve em Português. E apesar de ser consensual a ideia que a nossa língua materna é extremamente difícil, deveria ser possível, para qualquer cidadão português, a leitura simples da legislação pela qual se rege no dia a dia... não parece o caso.

Neste caso, não sei qual a leitura que fizeram destes textos... e antes de transmitir o que acho, será necessário referir que não são atribuídos significados e conceitos diferentes dos que existem às expressões e palavras:

- ‘Por altura’, ‘Dias’; ‘consecutivos’ e ‘Faltas’

Fazendo uma leitura directa, percebemos, por exemplo, que:

- Podemos faltar 15 dias consecutivos pela altura do casamento...

Ora, existem aqui dois problemas essenciais de interpretação e contextualização desta frase.

1. A primeira é determinar o que é “faltar 15 dias consecutivos”, para o legislador.

Sendo um Código do Trabalho todo o texto tem por base o meio laboral, ou seja, a ‘falta’ depreende sempre e sem excepção a não comparência ao período de trabalho renumerado normal, ou seja o ‘dia de trabalho’, correcto? Correcto, pois é essa a noção que o próprio Código estabelece para a ‘Falta’ no ponto 1 do seu Art.º 224...

Artigo 224.º

Noção

1 - Falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito.

Sendo assim, “faltar 15 dias consecutivos” implica, na minha modesta opinião, faltar 15 dias de trabalho consecutivos, simplesmente porque eu não falto ao sábado, domingos e feriados, pois não são, no meu caso, dias de trabalho.

Caso contrário, aos fins-de-semana estaria a faltar dois dias consecutivos, que, somados no final do ano, dariam para o meu empregador me despedir...

Face à forma como está redigido o Art.º, a interpretação correcta deveria ser essa.

Contudo, qualquer um pode partir do princípio, se não se contextualizar, que 15 dias consecutivos, são 15 dias seguidos, Sábados, Domingos e Feriados inclusive... lá está, parte de cada um pensar o que quiser...

Esta situação é tão dúbia que se estabeleceu (penso que pelo MTSS) que a este artigo se deve aplicar a norma de ‘faltar 11 dias úteis”, que implicaria que o dia do casamento poderia ser considerado um dos 15 dias de faltas (!?), caso iniciássemos a contagem desses dias, p.ex., na sexta-feira anterior ao fim-de-semana do casamento (se casássemos ao sábado ou domingo).

Bom, acontece que a aplicar-se a regra dos ’11 dias úteis’, esta irá criar provocar algumas injustiças para quem trabalha ao sábado e domingo, e benesses para quem pelo meio apanhar feriados, como é o caso dos dias 3 e 10 de Junho do corrente ano de 2010...

O que me parece é que o legislador quereria dizer que um trabalhador teria 15 dias para o seu casamento (preparações, casamento e lua de mel incluída). E chego a esta conclusão pelo facto de não ser também compreensível qual o período (inicio e fim) para gozo desses dias:

2. – O que quer dizer ‘por ALTURA do casamento’?

A ‘altura’ é na semana anterior, no dia do casamento, dois dias depois???

Neste caso o legislador abre as portas para o ‘abuso’, imiscuindo-se em períodos temporais que, legalmente, nada têm haver com o trabalho normal (Domingos, Feriados e sábados) dias esses que são gozados pelo indivíduo da maneira que pretender, sem que a entidade patronal tenha, normalmente, qualquer tipo de interferência.

Este é um caso... mas existem inúmeros casos de ‘erros’ e ‘omissões’ de legislação, que muitas vezes me parecem deliberados, para não dizer de incompetência.

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